A mulher na capoeira

A mulher na Capoeira Angola, algumas considerações.
">

A presença da mulher na capoeira Angola é revolucionária, nós mulheres da Escola de Capoeira Angola Laborarte, na década de 80 e 90, vivenciamos isso enfrentamos as diversas formas de violência e preconceito. A referência identitária era patriarcal, a participação era majoritariamente masculina mas não baixamos a guarda e mudamos o jogo: mulheres, brancas, negras e caboclas.
Observamos que a capoeira Angola era contrária ao estereótipo físico das demais vertentes de capoeira que tinham como padrão os movimentos físicos rígidos, violentos e endurecidos¬. Percebemos que tínhamos condição corporal para o que era proposto pela Capoeira Angola e que nossos corpos se adaptavam ao jogo guerreiro, com flexibilidade, mandinga, sem competição e sem violência. Nos exigindo a assumir um novo papel e presença na capoeira e na vida, fomos à luta!
Este processo foi vivenciado pelas mulheres e homens da Escola de Capoeira Laborarte pois tínhamos a política de decodificar e questionar no nosso cotidiano as nossas práticas e discursos. Estes questionamentos eram inclusive feitos ao Mestre Patinho que sempre nos estimulou e se mostrou aberto às mudanças que este novo cenário apresentava à sua escola e à Capoeira Angola em São Luís. E esta comunidade/família angoleira, onde se exercitam valores como solidariedade, respeito e igualdade formou uma geração de mulheres capoeiristas atuantes, cito Mestra Elma, Contra-mestra Sammy, Professora Rosi, Professora Luane, Rosa Reis, Márcia, Izabel, Gleisa. Desde então venho trabalhando a capoeira como uma ferramenta de transformação humana, dando visibilidade ao papel da mulher através de estratégias pedagógicas na educação e como um instrumento de educação popular.
Em 1996 fundei o grupo Solta Mandinga, uma das primeiras organizações de capoeira Angola no Brasil coordenada por uma mulher. Esta organização, instituída como Grupo nZambi de Capoeira Angola, atua há 18 anos tendo como âncora principal as ações e projetos educativos dando visibilidade à questão de gênero, à luta contra a violência e todo tipo de opressão.
Tenho convicção de que a minha caminhada foi e é conseqüência também de lutas travadas e conquistadas durante séculos por muitas mulheres, seja individualmente ou coletivamente, mulheres guerreiras exemplos de nosso repertorio de identidades que encontraram ressonância e pertinência entre nós ao longo dos séculos. Assim posso trazer à memória referências de mulheres citadas na história da capoeira: Maria da Conceição, Maria doze homens, Rosa Palmeirona e a participação e liderança femininas em diferentes posições de comando, exemplificados pelas figuras de quilombolas como Akotirene e Dandara, essa luta não é de hoje!

E se o tempo hoje nos traz uma maior participação feminina na comunidade capoeirística, com a presença de novas angoleiras, que oxigenam o cenário da capoeira, isso ratifica o papel de mestras e capoeiristas que antecedem as novas gerações, que com o corpo e a alma entraram na roda e ali foram julgadas, testadas e desafiadas pelo fato de serem mulheres,ou por não querer deixar de fazer o jogo de mulher. Que deram o primeiro Iê gritando alto a voz das oprimidas, que ecoou pelos ares.
Me manifesto através deste texto que esboça a trajetória das mulheres capoeiristas em São Luís a fim de colaborar com a pesquisa de grupos e redes de capoeiristas/ angoleiras, pois pode-se criar um terreno limoso escorregar e cair na própria arapuca da sombra da hegemonia, ao negligenciar um dos valores primordiais que fundamentam a Capoeira Angola, a Ancestralidade, ou seja, o legado de todos (as) aqueles(as) que vieram antes de nós e contribuíram com a comunidade da capoeira.

“Nossos passos vêm de longe...” (1)

Elma Silva Weba
Mestra de Capoeira Angola, Educadora Social e presidente do Grupo de Capoeira Angola nZambi
Florianópolis ,13 de março de 2014.


1 Jurema Werneck - Coordenadora de Criola, organização de mulheres negras, RJ.

Nenhum comentário: